31 de jan. de 2011

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"CATURRICES"

LIGADOS À MÁQUINA - II


 Os deficits do OGE! A Dívida Pública! É isso! É isso!

 Não, Prezado Leitor. Não é isso. O descontrolo orçamental tem, entre nós, todos os traços de uma doença crónica, que nos debilita, mas não leva ao coma. Leva, sim, à inflação, umas vezes rastejante, outras, galopante – em que a nossa história pátria é tão fértil.

 Convivemos com tudo isto há décadas (séculos?). Reflexo perfeito do modo como entendemos as actividades financeiras: extorquir aqui o que for possível, de mansinho, para dar ali e partilhar acolá, com grande e ostensiva liberalidade.

 Novidade, novidade, é, sim, o facto de integrarmos uma união monetária (uma espécie de regime padrão-ouro dos velhos tempos), pelo que a inflação endógena (que vai erodindo o peso real do endividamento) e a desvalorização cambial (que reequilibra a BTC) deixaram de ser opções de política económica ao nosso alcance.

 E também é novidade (algo que já não se via desde finais do séc. XIX) o modo como a Dívida Pública tem sido financiada nos últimos anos (leia-se “desde 1997/1998”): preferencialmente, no exterior. Quando, por estranho que pareça, os gastos públicos (excepção feita a um ou outro investimento público, a alguns consumíveis hospitalares e a pouco mais) são, apenas, remunerações, fornecimentos e serviços contratados localmente.

 Ao ser recebido, o financiamento externo da Dívida Pública que exceda o efeito directo dos gastos públicos sobre a BTC vai aumentar a capacidade de pagar ao exterior. E tal foi visto, e propagandeado, como virtude por quem fazia de conta que esses empréstimos só teriam de ser reembolsados lá para as calendas gregas (que premonição!) - e que os respectivos juros (mais comissões, encargos e outras frioleiras) eram migalhas sem importância.

 Se essa acrescida capacidade de pagar ao exterior tivesse ficado retida no Banco de Portugal (BdP) sob a forma de Reservas Cambiais, daí nenhum mal viria: na devida altura haveria por cá (não necessariamente no Tesouro, mas no BdP) com que pagar esses empréstimos. E o pinga-pinga dos juros não faria mossa por aí além no deficit orçamental - sempre que a Dívida Pública ao exterior se mantivesse bem abaixo dos 30% do PIB.

 Mas não. Era rapidamente convertida em Reservas Excedentárias dos Bancos e estes, por sua vez, convertiam-nas, ainda mais rapidamente, em empréstimos que financiavam os devaneios dos residentes – os tais devaneios que só se tornam realidade lá fora e são pagos em moeda forte (leia-se: sacando sobre as Reservas Cambiais).

 Ou seja, essa capacidade adicional de pagar ao exterior entrava por via da Dívida Pública, e era logo utilizada em devaneios que o crédito bancário permitia concretizar. Evaporava-se assim num ápice, sem deixar rasto nos haveres do Tesouro, do BdP ou dos Bancos. Rasto, só na BTC - mas aí como deficit.

 Como era fácil de prever, as dificuldades surgiriam quando a Dívida Pública ao exterior se vencesse e tivesse de ser paga – mas paga mesmo, e não refinanciada para um futuro ainda mais longínquo por um qualquer dos comparsas (Tesouro, BdP, Bancos).

 Sabendo-se, de ciência certa, que a receita fiscal, só por ela, é incapaz de aumentar as Reservas Cambiais, o efectivo pagamento da Dívida Pública ao exterior só estaria assegurado de antemão se, entretanto, a BTC registasse superavits de igual amplitude (os fluxos de Investimento Directo Estrangeiro e outras entradas de capitais são demasiado aleatórias para influenciar os cálculos).

 Fatalmente, aquele “quando” transformou-se em “agora” logo que o endividamento externo (e não só da Dívida Pública ao exterior) atingiu níveis que os investidores estrangeiros, por norma, não vêem com bons olhos.

 Aliás, a avaliar pelas estatísticas que vêm a público, parece que nem o BdP, nem o IGCP (a entidade que gere a Dívida Pública) fazem a menor ideia de quanto seja a parcela da Dívida Soberana na posse de não residentes (DSX). É estranho que, em face do coma e do prognóstico, estas duas respeitadas instituições não tenham sentido ainda a necessidade de acompanhar de perto os sinais vitais do paciente.

 Ponto da situação:

- No fecho de 2010, com a Dívida Pública a ultrapassar os 90% do PIB, a DSX deverá rondar 50% do PIB, para mais [m/ estimativa a partir da Dívida Pública que se encontrava na posse de Instituições Financeiras (Bancos, Seguradoras, Fundos de Investimento e Fundos de Pensões) residentes, no final de 2009];

- Os juros a pagar ao exterior, ao custo a que a DSX está a ser refinanciada, absorverão anualmente mais de 3% do PIB - e isso faz mossa no exercício orçamental;

- Não é seguro que os mercados internacionais continuem a refinanciar a DSX, mesmo se o Governo português se dispuser a pagar juros muito mais elevados;

- No cenário optimista, a DSX subirá para cerca de 90% do PIB (por força das necessidades de financiamento adicionais do Estado) - e, assim sendo, só para juros irão mais de 5% do PIB;

- Ainda no cenário optimista, ou se atinge, a curtíssimo prazo (até 2012, o mais tardar), um saldo orçamental primário (isto é, antes do pagamento dos juros da Dívida Pública) não inferior a 5% do PIB, ou a situação ficará irremediavelmente fora de controlo, por ser de todo impossível continuar a refinanciar também os juros que há que pagar ao exterior;

- No cenário pessimista, a DSX terá de ser colocada prontamente junto do FMI, ficando o Estado sem acesso aos mercados financeiros internacionais por vários anos (felizmente para nós, os investidores propendem a ter memória curta e não são de guardar rancores).

 Tudo isto seria suficiente para nos deixar em maus lençóis, é certo. E tudo isto traz à memória os últimos anos da Monarquia Constitucional, com os seus políticos demagogos, os seus governos sem norte e a sua incompetência financeira gritante.

 Mas os deficits orçamentais teriam de ser substancialmente mais elevados durante os últimos 15 anos para que a Dívida Pública (mais exactamente, a DSX), só por ela, fosse a causa única dos deficits desmesurados que a BTC tem vindo a registar.

 Se o que nos pôs em coma foram os deficits, muito elevados e persistentes, da BTC, a causa maior terá sido, então, outra. (cont.)

A.PALHINHA MACHADO

Setembro de 2010

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