Miriam
Leitão – miriamleitao@oglobo.com.br
Quem paga a conta
Está terminando da pior forma o caso envolvendo
o BNDES e o frigorífico Independência. Aqui, neste espaço, essa operação
desastrosa foi criticada desde o início, sem que o banco público a explicasse.
Agora se sabe, pela reportagem de Mauro Zanatta, no "Estado de S.Paulo”que
o desfecho será o esperado: enorme prejuízo aos cofres públicos.
O banco perdeu a disputa que fez com o seu sócio, a
família Russo, dono do Independência, e terá que ficar com o prejuízo de R$
250 milhões. Além disso, terá que pagar as custas do processo movido na Câmara
de Arbitragem do Mercado da BMF&Bovespa. O processo corre em sigilo. Deve
um banco público, que usa dinheiro do contribuinte, usar tanto o subterfúgio
do sigilo para não prestar contas à população? Em dezembro de 2008, o BNDES
comprou pôr R$ 250 milhões uma participação na empresa e se comprometeu a dar
mais R$ 200 milhões. Três meses depois, o frigorífico quebrou. O governo agora
explica que comprou porque o frigorífico era uma das estrelas do mercado. Ora,
quem pode dar esse tipo de explicação é o pequeno investidor, mas não o banco
que tem a maior carteira de ações do país. Ele deveria se informar bem antes
de entrar na empresa. Quem quebra em fevereiro já estava falido em dezembro,
evidentemente. Em 2009, escrevi que p banco estava virando sócio e dando
empréstimos a empresas com conhecidas difilculdades financeiras. Não fui a
única. Vários analistas criticaram, em artigos e entrevistas, o projeto ao qual
o BNDES se lançou, de campeões nacionais. Na época, ele elegeu três empresas
que deveriam liderar o setor de carne. O Independência seria um desses líderes.
O outro seria o JBS, no qual o banco despejou bilhões. O terceiro era o
Marfrig, que ficou tempos na corda bamba. Frigoríficos menores não conseguiram
empréstimos. Para os grandes, o dinheiro jorrava fácil. O Brasil já era, antes
daquela política o maior exportador de carne do mundo.
Quando o Independência quebrou, perguntei ao BNDES
que explicação ele tinha para ter realizado o negócio. Ele respondeu que
havia encaminhado o assunto para o Departamento Jurídico. A explicação era e
continua sendo insuficiente.
Na outra ponta, a pequena empresa enfrenta realidade
diferente. Um exemplo vem do empresário José Alfredo Machado, que pediu R$ 1,5
milhão ao BNDES para montar uma fábrica de biocombustível em Aracruz, no
Espírito Santo, em 2003. O investimento total da empresa foi de R$ 4,5 milhões
quase 70% bancados pelos sócios.
As exigências foram rigorosas: obrigatoriedade de
contratação de seguro, no próprio BNDES, de 7,2% do valor do empréstimo, o que
elevou o financiamento em R$108 mil. Alienação fiduciária de todas as máquinas
e do terreno onde a fábrica foi construída. O banco ficou com os bens em seu
nome até que o empréstimo fosse pago. Os três sócios e suas esposas ainda foram
obrigados a se tornar fiadores do acordo.
O BNDES exigiu a contratação de outro banco como
agente repassador, que acabou sendo o Banco do Brasil. O BB pediu garantias de
R$ 1,5 milhão, em aplicações financeiras, que ficariam bloqueadas até que a
fábrica entrasse em operação.
“Para
tomar R$ 1,5 milhão do BNDES, tivemos que dar R$ 1,5 milhão de garantia ao
Banco do Brasil. O pior é que eles não cumpriram o combinado, de liberar nosso
dinheiro assim que a fábrica começasse a funcionar, no início de 2004. À medida
em que íamos quitando o empréstimo com o BNDES, o BB ia devolvendo e isso
durou até o final de 2008. Na prática, não houve financiamento. Depositamos o
dinheiro em uma conta e recebemos em outra. Ficamos sem capital de giro, e o
BB, em vez de liberar a garantia integralmente, nos ofereceu outro empréstimo.
Nunca mais pretendo pegar nada com eles, e ao mesmo tempo vejo grandes empresas
tomando bilhões. Será que eles tiveram que passar pelas mesmas exigências?”—questiona o empresário.
Na reportagem do "Estadão" sobre o
frigorífico quebrado, fontes do governo só aceitaram falar se seus nomes não
aparecessem. A explicação que eles dão para o negócio é que a decisão foi
tomada com base em "informações precárias" Como não pretendem
divulgar o processo, fica-se sem saber quem foi o Nelson Cerveró do BNDES no
caso do Independência.
(Com Álvaro Gribel (De São Paulo)
Miriam Leitão é uma grande jornalista de Economia
Nota:
O empresário – pequeno – pede 1,5 milhão ao banco. O
banco empresta com a condição dele prestar garantias, fazer o seguro,
hipotecar-lhe os bens, exigir o aval dos sócios e famílias, para por fim
estrangular o empresário.
O empresário – grande, amigo dos chefes e da quadrilha
– leva 250 milhões sem qualquer garantia nas vésperas de falir.
É assim o Brasil.
Venham investir aqui... mas antes comprem a amizade
com a canalha. Há inúmeros casos iguais a este. Sai barato e rende muito
13/05/20
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