5 de jan. de 2009



O futuro da Amazônia: retalhada e queimada ?


Povo, nação, etnia, tribo ?

Foi há pouco editada em Portugal uma revista, “Nova Águia”, que tratou com muita profundidade o conceito de “Pátria”, (ver comentário, “Pátria”, neste blog, Set/2008).
Se é confuso o conceito de “Pátria”, talvez mais seja o de “Nação”, “Povo”, “Etnia”, um pouco menos o de “Tribo”.
O povo americano começa agora, e só agora, a constituir-se numa unidade, depois que um descendente de africano chega ao topo de todas as escalas sociais e políticas. Antes disso, os americanos eram um conjunto (meio desconjuntado!) de povos - anglo-saxões, latinos, afro descendentes, índios, asiáticos, etc. - obrigatoriamente debaixo do comando duma bandeira, mas com a certeza de, estes últimos, se sentirem sempre em terra alheia. A conquista de Obama derrubou este conceito e provou que o povo americano pode vir a ser um só, unido, e assim se transformar numa grande Nação.
Os países europeus, ex coloniais, assistem, impotentes, com obrigação e desagrado, à sua população crescer só através da constante chegada de gente das antigas colônias, de África, Médio Oriente, Índia, Paquistão, e diversas outras origens, que, não tarda, sobrepujarão as populações “autóctones” do século XVIII ou XIX. Como ficará a noção de “povo” em França, Inglaterra, Portugal e Espanha? Qual povo? O original ou o total?
Os países saídos da expansão ultramarina, no século XVI e XVII, foram-se formando com gente nova, para quem a idéia de nação ou pátria ainda nem sequer se punha. Hoje, com o mundo dominado pela hipocrisia e ganância, entrou em campo a xenofobia, a argumentação dos antepassados, primeiros (?) ocupantes daquelas terras, mas sobretudo o olhar ávido para as riquezas naturais, sobretudo petróleo, ouro e outras de lucrativa exploração.
Muito se tem falado, e não se vão calar, sobre as terras e as gentes da Amazônia. Até o presidente Sarkozy, na sua recente estadia entre nós, se permitiu afirmar que a “Amazônia pertence a todos”! “Todos”, quem?
Os jogos políticos em torno desse imenso território, rico de tanta coisa que o torna crítico, têm sido grandes, e estão em vésperas de se tornarem extremamente complicados.
O caso da Reserva da Raposa do Sul, fronteira com a Venezuela e Guiana, 1.750.000 hectares (quase o dobro de Portugal), onde vivem cerca de 20.000 índios de diversas tribos, ou etnias, põe em causa a soberania do Brasil sobre esse imenso território. Aqui se estabeleceram, há alguns anos agricultores brasileiros a produzir arroz (170.000 toneladas/ano) em risco de serem corridos da região. Ocupam cerca de 100.000 hectares, e assim mesmo nas áreas periféricas.
O total das reservas indígenas do Brasil alcança já cerca de 13% de todo o território nacional, cerca de 1.106.000 quilômetros quadrados, duas vezes a França, para um total – número exagerado – de 480.000 índios ou seus descendentes já misturados. Se dividirmos toda esta terra pelo número de índios que, dizem, nela vivem, daria uns 230 hectares por cabeça! Todos latifundiários!
Algumas tribos praticam ainda, com o beneplácito da FUNAI e de alguns missionários, o assassínio dos filhos, quando não gostam do sexo com que estes bebês vêm ao mundo (ver artigo – INFANTICÍDIO – do prof. Denis Rosenfield) e há quem continue a defender um tipo de vida “em harmonia com a natureza”, desde que possam usar rádios, panelas de alumínio, roupas e camisetas com estampados publicitários, facas e facões, bicicletas e até carros de alto valor que os garimpeiros oferecem a alguns caciques para poderem explorar ouro em “suas” terras!
Até hoje, e muito tenho escrito sobre o assunto, o Brasil, com honradíssimas exceções, esqueceu-se dos índios. Agora nalgumas localidades já se começa a ensinar a ler nas línguas nativas o que é importantíssimo porque não há livros nessas línguas, em vez de se fazer, volto a repetir, o ensino, em todo o país, da língua oficial, o português, e ainda da língua nativa de cada região, para que o patrimônio cultural e histórico não se perca mais.
Não é de admirar que qualquer dia se percam também os milhões de quilômetros quadrados desses territórios/reserva. Que afinidade une esses povos ao Brasil como um todo? Língua? Cultura? Nível de vida?
Devemos considerar os índios, ou cada uma das largas dezenas de “tribos” deste país, algumas sem qualquer possibilidade de se comunicarem com outras por terem línguas diferentes, como grupos tribais, etnias diferentes, nações indígenas ou... povos ... ?
E será que, com a (des)política que tem até hoje vigorado, algum dia vão conseguir ser brasileiros integrados, e um deles possa seguir as pisadas de Obama, sem cair na caricatura do pobre índio xavante, Juruna, que elegeram deputado e acabou quase na miséria?
do Brasil, por Francisco G. de Amorim
5 jan. 09
-----------------------------------------------------------

INFANTICÍDIO

Denis Lerrer Rosenfield
em “O Globo” de 05/jan/09

O Brasil está sendo tão acometido da sanha do politicamente correto que o olhar de muitos não consegue ver coisas que acontecem ao nosso redor. Assim, há em curso uma tentativa de resgate de nossa História que está escorregando no seu contrário, como quando os indígenas são vistos segundo a ótica do "bom selvagem", no sentido de Rousseau. A política indigenista aí enraizada, com apoio explícito de movimentos ditos sociais, termina por pactuar com comportamentos que atentam diretamente contra a própria Constituição. Em nome do relativismo moral, da igualdade entre todas as culturas, comportamentos dos mais inusitados, para não dizer bárbaros, são admitidos.
Há vários relatos de infanticídios entre as populações indígenas, que são simplesmente tolerados, se não explicitamente admitidos, em nome da igualdade entre culturas. As causas podem ser as mais variadas, desde a existência de gêmeos, até a escolha de sexos, passando pelos mais distintos motivos. Em terra ianomâmi, tão celebrada como exemplo de política indigenista, tudo indica que se trata de uma prática comum.
Observe-se que esses índios são os que vivem mais à parte do contato com os civilizados, embora em muitas aldeias existam postos da Funai e da Funasa. Habitam um imenso território e, no entanto, vivem subnutridos, o que é visível à simples observação dos homens e das mulheres. O argumento de que amplas extensões de terras são fundamentais para a sua reprodução física parece não se sustentar, dadas as suas condições precárias de vida. A ideia do bom selvagem em condições idílicas parece ser mais um produto ideológico da Funai, do Cimi e dos movimentos sociais em geral.
Numa das aldeias é comum o relato do infanticídio enquanto prática cultural dessas populações. Nas palavras de um interlocutor: matar ou não um recém-nascido é uma "decisão dos pais".
Ou seja, cabe ao livre arbítrio dos pais manter ou não em vida um recém-nascido, não havendo nenhuma lei que se sobreponha a esta. Neste sentido, eles se situariam fora ou acima da Constituição brasileira, que assegura o direito à vida. Os argumentos apresentados podem ser vários, desde o tamanho da roça até o fato de os indivíduos do sexo masculino serem privilegiados, com a morte conseqüente de recém-nascidos do sexo feminino. Imaginem se tal prática fosse universalizada, tornando-se válida para todos os brasileiros?
Ora, quem sustenta o infanticídio como sendo apenas uma prática cultural com pactua, na verdade, com um crime severamente punido pela legislação brasileira. Os indígenas são, assim, tratados como se não fossem .brasileiros, a lei não se aplicando a eles. Temos aqui um evidente paradoxo: como a Constituição brasileira não se aplicaria a eles, estando suas aldeias situadas em território nacional, e sendo auxiliados e mesmo apoiados por instituições do Estado? Como pode uma cláusula pétrea ser relativizada desta maneira?
Ainda numa outra aldeia, da mesma tribo, há relatos de que o infanticídio seria cometido com o conhecimento de missionárias aí instaladas.
As mulheres vão para o mato antes do parto, costumam ter seus filhos sozinhas, voltando, depois, sem o recém-nascido. A morte é feita por sufocamento, com a mãe asfixiando a criança no chão, com o pé. A situação não poderia ser mais escandalosa, pois esse tipo de conivência contraria frontalmente os princípios do cristianismo e, de modo mais geral, de toda a Humanidade. Os princípios mesmos do Evangelho são frontalmente desrespeitados. Como pode uma prática dita cultural se sobrepor a um princípio universal? Salvo se partirmos de uma outra posição, a saber, a inexistência de princípios universais, o que equivaleria a remeter toda a Humanidade à barbárie. Por que não reintroduzir, então, a antropofagia, prática que foi comum a determinadas tribos da História brasileira, em nome da "igualdade" entre diferentes culturas?
A situação deveria suscitar a indignação moral.
Em nome de uma "prática cultural", haveria conivência com o assassinato de recém-nascidos, como se esta prática devesse ser "culturalmente" reservada. Ou ainda, em nome do "estruturalismo", é como se devêssemos abdicar de nossa capacidade de julgar. No entanto, parece haver uma tergiversação geral sobre o assunto, envolvendo s diferentes autoridades envolvidas. Trata-se de uma manobra propriamente política junto à opinião pública brasileira, que desaprovaria tal prática se dela tivesse conhecimento. Vendem, porém, um outro produto, o de que os indígenas são "bons selvagens", havendo uma harmonia natural entre eles, como se o assassinato, por exemplo, fosse fruto do mundo civilizado. Para que possam guardar as suas respectivas posições de poder, continuam insistindo nesta idéia rousseauniana ao arrepio completo da verdade.
A opinião pública condena severamente o infanticídio. Uma menina, que tria sido assassinada pelo pai e pela madrasta, atirada de um edifício, ocupou durante semanas o noticiário radiofônico, televisivo e impresso do país, causando indignação geral. Produziu uma verdadeira comoção nacional. Outros casos são também relatados com detalhes, produzindo uma intensa reação e suscitando fortes emoções. Mesmo Criminosos, nos presídios, não compactuam com essa prática, procurando eliminar fisicamente os que realizam tais atos. O próprio "código" dos criminosos exclui essa prática, por se colocar fora dos parâmetros de qualquer tipo de humanidade. Por que seria ela tolerável entre os indígenas? No fundo, o que está em questão, para aqueles que defendem tais posições ou são omissos em relação a elas, é o medo da perda de suporte junto à opinião pública. Se fossem mostrados coniventes e cúmplices com tal prática, perderiam sustentação e seriam forçados a abdicar de suas posições ideológicas e políticas. Eis por que o ocultamento é aqui a regra.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Um comentário:

Unknown disse...

Sobre a morte das crianças indesejadas muito haverá ainda que dizer. Por cá (Portugal), de forma mais soft, pratica-se a IVG gratuita em hospitais públicos. Sobre a multiculturalismo, vale a pena recordar o que um Governador Britânico do Raj respondeu àqueles que defendiam a morte da mulher viúva, por ser uma tradição milenar na Índia. "É tradição britânica enforcar os assassinos. Ficai com as vossas tradições, que nós continuaremos a respeitar as nossas". Reza a História que foi remédio santo.