20 de mai. de 2014

CARTA ABERTA

A Sua Excia. o
Presidente da República Portuguesa
Senhor Aníbal Cavaco e Silva


Rio de Janeiro, 14/05/2014

Meu nome: Francisco Gomes de Amorim, português, 82 anos de idade, residente no Rio de Janeiro, Brasil.

Excelentissimo Senhor

Há cerca de dois meses, através do “site” da Presidência da República, mandei ume tele-mensagem solicitando de V. Excia. uma intervenção junto da Secretaria de Estado da Cultura e/ou da Biblioteca Nacional, face à impossiblidade burocrática que me interpuseram de obter meia dúzia de fotocópias de um livro daquela biblioteca.
Tantas foram as complicações e documentação pedidas, parecendo inquérito policial, que não consegui obter as ditas fotocópias.
Venho agora, penhoradamente, agradecer a V. Excia. a sua, certamente, intervenção.
Primeiro porque nem V. Excia, nem ninguém da sua secretaria se dignou acusar a recepção da minha tele-mensagem.
Segundo porque V. Excia., possivelmente por não ter tomado conhecimento, rigorosamente NADA fez.
Terceiro porque passei a entender um pouco melhor, o descaso, ou o desprezo ou ainda os obstáculos a vencer por alguém que ainda “tem o desplante” de se interessar pela cultura portuguesa.
Eu sei, e todos devem saber, que V.Excia não deve ter tempo para ninharias, como a do meu caso, de pedir umas simples fotocópias à Biblioteca Nacional, visto julgar muito mais importante aparecer, sorrindo, a condecorar um ídolo do futebol.
O lamentável de tudo isto é que, simultâneamente, pedi à Sociedade de Geografia de Lisboa outras fotocópias e mais um livro que ali tinham à venda, e dois dias depois eles estavam no correio, já tendo chegado às minhas mãos.
Mas não se preocupe V. Excia. porque um conhecido meu, através de um amigo de um continuo (i. é, empregado subalterno) da Biblioteca, em 24 horas obteve as ditas fotocópias. Pagou-as é evidente. Mas sem burocracias.
E assim, sem que V.Excia. se tivesse incomodado ou preocupado com a cultura portuguesa, um continuo, tal como fazem os soldados e os sargentos nas forças armadas, resolveu o “tão intrincado imbróglio” atropelando a burocracia que tanto ajuda a destruir o pouco de bom que esse país ainda tem.
Tenha V.Excia. muita saúde e deixe os contínuos governarem o país.
Atenciosamente


Francisco Gomes de Amorim

15 de mai. de 2014



Miriam Leitão – miriamleitao@oglobo.com.br

Quem paga a conta

Está terminando da pior forma o caso envolvendo o BNDES e o frigorífico Independência. Aqui, neste espaço, essa operação desastrosa foi criticada desde o início, sem que o banco público a explicasse. Agora se sabe, pela reportagem de Mauro Zanatta, no "Estado de S.Paulo”que o desfecho será o esperado: enorme prejuízo aos cofres públicos.
O banco perdeu a disputa que fez com o seu sócio, a família Russo, dono do Indepen­dência, e terá que ficar com o prejuízo de R$ 250 milhões. Além disso, terá que pagar as cus­tas do processo movido na Câmara de Arbitragem do Mercado da BMF&Bovespa. O processo corre em sigilo. Deve um banco público, que usa dinhei­ro do contribuinte, usar tanto o subterfúgio do sigi­lo para não prestar contas à população? Em dezembro de 2008, o BNDES comprou pôr R$ 250 milhões uma participação na empresa e se com­prometeu a dar mais R$ 200 milhões. Três meses de­pois, o frigorífico quebrou. O governo agora explica que comprou porque o frigorífico era uma das estrelas do mercado. Ora, quem pode dar esse tipo de explicação é o pequeno investidor, mas não o banco que tem a mai­or carteira de ações do país. Ele deveria se informar bem antes de entrar na empresa. Quem quebra em fevereiro já estava falido em dezembro, evidentemente. Em 2009, escrevi que p banco estava virando sócio e dando empréstimos a empresas com conhecidas difilculdades financeiras. Não fui a única. Vários analistas criticaram, em artigos e entrevistas, o projeto ao qual o BNDES se lançou, de campeões nacionais. Na época, ele elegeu três empresas que deveriam liderar o setor de carne. O Independência seria um desses líderes. O outro seria o JBS, no qual o banco despejou bilhões. O terceiro era o Marfrig, que ficou tempos na corda bamba. Frigoríficos menores não conseguiram emprésti­mos. Para os grandes, o dinheiro jorrava fácil. O Brasil já era, antes daquela política o maior exportador de carne do mundo.
Quando o Independência quebrou, per­guntei ao BNDES que explicação ele tinha pa­ra ter realizado o negó­cio. Ele respondeu que havia encaminhado o assunto para o Depar­tamento Jurídico. A ex­plicação era e continua sendo insuficiente.
Na outra ponta, a pe­quena empresa enfren­ta realidade diferente. Um exemplo vem do empresário José Alfredo Machado, que pediu R$ 1,5 milhão ao BNDES para montar uma fábri­ca de biocombustível em Aracruz, no Espírito Santo, em 2003. O investi­mento total da empresa foi de R$ 4,5 milhões quase 70% bancados pelos sócios.
As exigências foram rigorosas: obrigatoriedade de contratação de seguro, no próprio BNDES, de 7,2% do valor do empréstimo, o que elevou o fi­nanciamento em R$108 mil. Alienação fiduciária de todas as máquinas e do terreno onde a fábrica foi construída. O banco ficou com os bens em seu nome até que o empréstimo fosse pago. Os três sócios e suas esposas ainda foram obrigados a se tornar fiadores do acordo.
O BNDES exigiu a contratação de outro banco co­mo agente repassador, que acabou sendo o Banco do Brasil. O BB pediu garantias de R$ 1,5 milhão, em aplicações financeiras, que ficariam bloqueadas até que a fábrica entrasse em operação.
“Para tomar R$ 1,5 milhão do BNDES, tivemos que dar R$ 1,5 milhão de garantia ao Banco do Brasil. O pior é que eles não cumpriram o combinado, de li­berar nosso dinheiro assim que a fábrica começasse a funcionar, no início de 2004. À medida em que ía­mos quitando o empréstimo com o BNDES, o BB ia devolvendo e isso durou até o final de 2008. Na práti­ca, não houve financiamento. Depositamos o di­nheiro em uma conta e recebemos em outra. Fica­mos sem capital de giro, e o BB, em vez de liberar a garantia integralmente, nos ofereceu outro emprésti­mo. Nunca mais pretendo pegar nada com eles, e ao mesmo tempo vejo grandes empresas tomando bi­lhões. Será que eles tiveram que passar pelas mesmas exigências?”—questiona o empresário.
Na reportagem do "Estadão" sobre o frigorífico que­brado, fontes do governo só aceitaram falar se seus no­mes não aparecessem. A explicação que eles dão para o negócio é que a decisão foi tomada com base em "in­formações precárias" Como não pretendem divulgar o processo, fica-se sem saber quem foi o Nelson Cerveró do BNDES no caso do Independência.
      
(Com Álvaro Gribel (De São Paulo)
Miriam Leitão é uma grande jornalista de Economia

Nota:
O empresário – pequeno – pede 1,5 milhão ao banco. O banco empresta com a condição dele prestar garantias, fazer o seguro, hipotecar-lhe os bens, exigir o aval dos sócios e famílias, para por fim estrangular o empresário.
O empresário – grande, amigo dos chefes e da quadrilha – leva 250 milhões sem qualquer garantia nas vésperas de falir.
É assim o Brasil.
Venham investir aqui... mas antes comprem a amizade com a canalha. Há inúmeros casos iguais a este. Sai barato e rende muito


13/05/20

12 de mai. de 2014

Muito curioso este texto vindo dos Açores via Canadá

25 de Abril: cravos, 

bolas e cornos


Por Alfredo da Ponte - 
Correspondente de Fall River

Jornal Sol Português - Canadá


Talvez haja por aí alguém que tenha saudade da festa dos cornos, celebrada antigamente nas ilhas Faial e Pico. Por coincidência, o dia dos cravos veio mesmo a calhar no dia dos cornos, no mesmo dia em que o calendário litúrgico celebra São Marcos. E pelos vistos, os ares liberais do 25 de Abril desobrigaram os cornudos da procissão e do sermão dos cornos. Já se sabe que era uma brincadeira arreigada à cultura popular. Mas, visto a bons olhos, nos nossos dias não há consentimento cívico para tais festividades, embora notório seja que o número de cornudos esteja sempre a aumentar significativamente.
Adiante-se que esta crónica está sendo escrita sem intenção de ofender ninguém. Simplesmente achamos algumas curiosidades que vieram precisamente a coincidir com esta data e somos de opinião que um riso ou uma gargalhada faz bem à saúde.
Do muito que se tem lido e escrito sobre este assunto, se fizéssemos um pequeno estudo etnográfico encheríamos, de certo, umas cento e tal páginas. Por isso, passando por ele, recordamos que em certos lugares todos os homens casados incorporavam-se na procissão, à medida que ela passava por suas portas, percorrendo as ruas da freguesia. Aquele que havia sido traído pela mulher, ou tinha fama disso, levava o chapéu na mão. Os restantes levavam o chapéu na cabeça.
Aconteceu que, um dia, na festa dos cornos, o João ao ver a procissão se aproximar da sua casa, pergunta à esposa se devia levar o chapéu na cabeça ou na mão.
A mulher soltou-lhe dois ou três palavrões, deixando-o nervoso, e ele enfiou a cabeça no chapéu. Mas quando o marido se dirigia à porta da rua, a mulher sentindo qualquer culpa, com medo que o marido não fosse publicamente denunciado, avisou-o: "Eh, João, por sim ou por não, leva o chapéu na mão."
Na minha terra, ser cornudo era uma condição de desprezo, embora houvesse cornudos contentes, tristes, bem enfeitados e mal amanhados. E por mais cornudo que seja o corno, não gosta, de maneira nenhuma, de assim ser reconhecido.
Quem vai à festa // de cornos a seu jeito // Leva uma mão na testa, // e a outra mão no peito.
Os cornos foram enfeitados com flores muito antes das espingardas do 25 de Abril. Mas também há quem os enfeite com bolas. Por isso, bolas e cornos andam de mãos dadas. Duvidam? Pois, com certeza!... Vão ter paciência, mas esta estória tem de sair:
Albano Cordeiro (1914-1964) é um dos meus poetas preferidos, por duas razões: primeira, porque é meu conterrâneo; segunda, porque a sua poesia é simples e carinhosa pela terra e pela gente. Foi mencionado, há alguns anos, pelo meu outro conterrâneo, Flávio Paiva, no seu livro "História de vida de um emigrante açoriano", onde deparei com uma batalha de versos e uma ligeira explicação. Dizia Flávio que Albano Cordeiro, empregado no Grémio da Lavoura da Ribeira Grande, havia recebido uma mensagem de um colega do Grémio de Ponta Delgada, juntamente com uma remessa de "cápsulas metálicas", daquelas de cor dourada que os homens do campo costumavam adornar os chifres do gado bovino, protegendo-lhes as pontas. Ao que parece, Albano não gostou da mensagem e mandou ao colega uma resposta.
Uns dias depois comentei o par de quadras com a minha amiga D. Filomena Morais Sarmento Machado Matos, a filha única do Sr. José Tibúrcio Machado, que foi o braço direito da saudosa Dona Maria Mota, na ressurreição e organização das Cavalhadas de S. Pedro. O que eu não sabia era que este senhor também trabalhara no Grémio da Ribeira Grande e era um grande amigo de Albano Cordeiro, pelo que a filha logo me disse que já tinha lido aquelas quadras em qualquer parte. No dia seguinte ela informou-me que as tinha encontrado entre os papéis que eram do seu pai, dizendo-me que não se tratava de duas quadras, mas sim de doze. Portanto, aquelas duas foram as armas da primeira batalha de uma guerra poética travada em São Miguel, onde os guerreiros nunca deixaram de ser amigos.
A amiga Filomena fez questão de me oferecer a papelada. Assim, fiquei sabendo que o colega de Albano a que Flávio se referiu era o poeta Virgílio de Oliveira (1901-1967).
Os Grémios nasceram nos finais da década de 1930 e foram extintos em 1974 pelo Decreto-Lei nº 482/74 de 25 de Setembro. Pertenciam à Organização Corporativa da Lavoura.
Em S. Miguel, o Grémio da Lavoura estava sedeado em Ponta Delgada, tendo na mesma Ilha representações ou dependências em outras localidades, como por exemplo, na Ribeira Grande.
Vamos à guerra, que começou quando Virgílio de Oliveira envia a Albano Cordeiro uma remessa de pontas douradas com esta quadra:
Albano dos meus pecados // Põe isso na montra em fila,
Porque são os embolados // Para os cornos dessa Vila.
Albano responde:
Das tais bolas recebidas // Cá não há necessidade.
Vão ser todas devolvidas // Aos cornudos da Cidade.
Outra vez Virgílio:
Não vieram devolvidas // As bolas encomendadas.
Há já pessoas servidas, // Que andam na Vila às marradas.
Albano:
Não servem os embolados, // Acreditem que é verdade.
Chegaram já amassados // Pelos cornos da Cidade.
Provavelmente deve ter havido uma outra estrofe de Virgílio de Oliveira que não foi anotada, porque na ordem dos papéis que tenho em meu poder, acabados os manuscritos segue-se dois dactilografados:
Meu Virgílio de Oliveira // O tempo não me sobeja
P'ra andar na brincadeira // Com qualquer, qualquer que seja.
As bolas que tu mandaste // Com cuidado e com carinho,
Quem mas pediu foi um traste // Que as perdera p'lo caminho.
Um gajo destes da Alta // Que não entra em qualquer porta
E que faz parte do gado, // Do gado que não se importa.
As bolas servem a esses, // A esses cornos supremos,
Que são o encanto da vida // E têm coisas que não temos.
Virgílio Oliveira assina o tratado de paz a 6 de Setembro de 1960 com estes versos:
Não é isso falar novo, // Amigo Albano Cordeiro.
Sempre ouvi dizer o povo // Que "eles não trazem letreiro".
Nestas cantigas a nu, // Em tom menos delicado,
No "digo eu... e dizes tu", // Já é um tema estafado.
Lisura nos acompanhe, // Sem ofendermos ninguém...
Cada um lá que se amanhe // Com os chavelhos que tem.
Dou-te todos os poderes // No negócio de "embolados"...
Quanto mais bolas venderes // Mais cornos serão contados.
Para terminar só falta a famosa quadra do Cancioneiro Geral dos Açores, que meu padrinho Ferreira Moreno nos lembrou em um dos seus "Repiques da Saudade", há meia dúzia de anos. Ei-la:
Ó corno que estás pr'aí, // Nem os bons-dias te dão...
Quantos se riem de ti // Pensando que o não são!...

Fall River, MA, Abril de 2014