29 de ago. de 2008



Colaboração de um Amigo:


JORDÃO, COMO O RIO
QUE CORRE NA TERRA SANTA


Deitado quase sempre na varanda que dá para a Recepção, com a cabeça entre as patas, o pêlo cinzento pontuado de manchas pretas, as orelhas tombadas de cada lado do focinho, não é um cão de raça, nem sequer um cão bonito.
Parece que anda com sono o dia inteiro. Mal lhe dão na cozinha a ração pela manhã e lhe abrem a porta que dá para o jardim, ele abala de um pulo para o lugar do costume, dá duas voltas sobre si mesmo, aconchega-se de encontro à parede, cerra os olhos e começa a dormir.
Chegou ao Centro Geriátrico numa tarde de muita chuva, talvez cinco, talvez seis anos antes. Entrou sorrateiramente pela cancela de ferro, deu alguns passos, estacou depois de repente, como que para decidir se de via avançar ou voltar para trás. Resolveu que devia continuar.
Já quase junto do edifício, ouviu alguém que dizia lá atrás:
— Oh, meu bichinho, como estás molhado! Vem cá, vem cá, pch!, pch!
Era a Irmã Margarida que chegava da rua, guarda-chuva sobre a cabeça, com um embrulho enorme debaixo do braço.
— Vem cá, pch!, pch!
E ele foi: de princípio, desconfiado, o rabo entre as pernas, parando de dois em dois passos; depois, mais à vontade, mais afoito, já seguro de que não corria perigo.
Habituou-se desde essa tarde a ter refeições decentes, que desconhecia. Comeu até se fartar: uma malga cheia de arroz cozido, recheada de sobejos de carne, que cheiravam que era uma maravilha!
Para espanto até dos mais crédulos, tão agarrada se mostrava aos regulamentos, a Irmã Cristina, que era a Superiora, fez vista grossa e fingiu que não dava conta da adopção iminente.
O cão foi adoptado de facto.
Era preciso então baptizá-lo, dar-lhe um nome, que se fixasse facilmente e se adequasse à condição de animal. A empregada responsável pelo bar, que vira dias antes o filme Quo Vadis, lembrou-se de Nero, tal como o imperador romano, que mandava matar cristãos no Coliseu.
A Irmã Margarida reagiu:
— Nero?! Isso é que não! O bicho é tão meigo, tão doce, que não merece esse insulto...
Aos cães, como toda a gente sabia, davam-se nomes de rios ou de serras; ela mesma conhecera já um Douro, um Tejo, um Marão, um Caramulo.
— Há-de chamar-se Jordão, como o rio que corre na Terra Santa, onde São João Baptista se encontrou com Jesus Nosso Senhor.
Toda a gente apoiou:
— Ora aí está. Um nome como deve ser.
E ficou mesmo Jordão.
Os velhos que não recebem visitas, que entraram um dia no Centro e perderam desde então o contacto com o mundo, esses é que se prenderam de vez ao cão. Quando se sentam no alpendre com cobertura de ripas, passam-lhe suavemente a mão pelo pêlo, dizem-lhe palavras que são só para ouvidos de gente (como «Meu querido!», «Meu tesouro!», «Meu enlevo!»), dão-lhe um afecto que não podem já destinar a alguém.
Jordão parece que percebe. Vai ter com cada um, olha-o nos olhos, lambe-lhe as mãos, estende-lhe a pata, gane baixinho, garantindo a todos que está ali, que está presente, que se manterá fiel na sua dedicação.
Quando um desses velhos morre, uiva pela noite adiante até de madrugada.

Inácio Rebelo de Andrade
in Mãe Loba (romance), Aparição, Lisboa, 2001 (Colecção «Prosas»)




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Hic... hic... hic...

Hic ipsum est:
Não é a primeira vez, nem deverá ser a última, que afirmo que os meus conhecimentos de economia se resumem a uma simplicidade de “tia Maria”: Se gastas mais do que ganhas... acabas entrando pelo cano!” Se alargarmos esta simplicidez aos grandes chefões das economias mundiais, compreendemos, com extrema facilidade, o que se está a passar com os tais de subprime, com um montão de bancos poderosos, e com algumas economias de países... sólidos.
Por aqui, sem se entender bem o que é isso de subprime, e estando os bancos a ganhar dinheiro como nunca aconteceu em qualquer parte do mundo super capitalista, com juros que atingem vários centos por cento ao ano, vê-se o governo a arrecadar cada vez mais impostos enquanto se projeta para 2009 um déficit crescente!
A “tia Maria” com o seu bigode mediterrâneo mal aparado, mas não devendo um cêntimo nem ao padeiro, diz-me claramente que algo de errado se passa “nesta frente ocidental”!

Hic est difficultas:
Com o vigor próprio dos jovens coelhos na altura da reprodução, o nosso governa-se espalha os seus tentáculos em todos os setores da vida do país (nota: isto não é uma nação!) enchendo-os de apaniguados e assim dominando a res publica e inflacionando os custos administrativos de forma para além de absurda.
Um dos sistemas mais em voga, além da nomeação de quase trinta mil postos de trabalho (trabalho?) na função pública, de confiança, por nomeação e não concurso, e a tentativa de criar um novo ministério através de uma Medida Provisória (só aqui mesmo, né? na terra do samba!) o recurso à multa aos automobilistas tornou-se um verdadeiro assalto! Só no Rio de Janeiro são largas dezenas de milhares de multas... DIARIAMENTE!

Hic est opinio mea:
Se... em política e governo não existe o “se”, o que leva a afirmar, que sem um profunda reforma política, administrativa, do judiciário e da segurança social, o tal cano por onde o Brasil acabará por entrar terá que ser um”grande cano”!

Hic est veritas:
O que se passa é que ninguém quer fazer qualquer reforma porque iria bagunçar os poderes estabelecidos, desagradar aos eleitores, possivelmente sofrer um ligeiro acidente com uma metralhadora de calibre anti-aéreo (daquelas que o narcotráfico está a receber, roubadas do exército boliviano) ou até mesmo um pequeno acidente com o aviãozinho aero-lula. Assim sendo, até chegarmos à entrada do cano... tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes!

Hic porci ambulant:
Os porcos, os nojentos, políticos, aqueles que o SUPREMO tribunal de IN-justiça permite que com ficha cadastral sujissima se candidatem eternamente, e repetindo, os porcos continuarão

per-ambulando e metendo o focinho e as mãos cada vez mais fundo na nossa (nossa?) res!

Conclusão:
Hic est corruptissima republica.

29 ago. 08

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