Começamos hoje a série de
"CATURRICES"
.
de A. Palhinha Machado
LIGADOS À MÁQUINA - I
Sente-se bem, Caro Leitor? Cheio de genica, de projectos, de entusiasmo, nesta rentrée? Confiante no amanhã? Com vontade de fazer coisas, de correr mundo, de partir à aventura?
Pois desengane-se! Desde há meses a esta parte só vive porque a “máquina” o mantém vivo. Sem ela, já teríamos, os mais de nós, dado o triste pio – dalits de mão estendida à caridade do mundo.
A “máquina” tem nome, para que possamos manifestar-lhe o nosso reverente agradecimento. Aliás, são duas máquinas:
- Uma, de terapia assim a modos que intermédia, vulgarmente conhecida por “Mercado Interbancário do Euro” (MIE) – e desde 1997/1998 que não sabemos passar sem ela;
- A outra, o “Banco Central Europeu” (BCE; ou “Eurosistema” para os mais íntimos), de terapia intensiva (do mais intensivo que há), vale-nos só a partir de 2008/2009 – mas, por vezes, não basta.
O “sopro de vida” que delas recebemos tem nome também: liquidez (na maior parte, sob a forma de Euros; aqui e ali, porém, em moedas mais exóticas, como o Kwanza angolano).
O coma está diagnosticado: excessivo endividamento junto de uns, poucos, credores estrangeiros (para todos os demais, há anos que somos dalits). Entenda-se: dívidas do Estado, dívida dos Bancos e dívida de uma meia dúzia de empresas - dado que o vulgar cidadão e os seus negócios nunca encontraram quem, de lá de fora, lhes emprestasse directamente um chavo.
A maleita vem em qualquer compêndio: povo pobre com gostos ricos - mal aparece quem fie, o endividamento corre como fogo em mato seco.
Infectados pelo vírus dos “direitos adquiridos”, padecendo cronicamente de “devaneios a realizar custe o que custar”, teimamos em viver muito acima das nossas modestas posses - numa vertigem tal que o coma do endividamento é cada vez mais profundo.
Maleita antiga, pois desde meados dos anos ’90 que a Balança de Transacções Correntes (BTC) regista deficits enormes e sem paralelo na OCDE. Por palavras simples: muitos dos nossos devaneios só se tornam realidade lá fora - e têm de ser pagos em moeda forte. Quer o destino que o grosso dos nossos meios de subsistência (energia, alimentos) também.
O prognóstico, esse, não poderia ser mais reservado: com a terapia intermédia praticamente esgotada, só nos resta a terapia intensiva. Apesar disso, a moléstia que nos deixou neste estado não dá sinais de ceder: continuamos a não perder nenhuma oportunidade para nos endividarmos sempre mais.
Estamos, então, nos “Cuidados Intensivos”? Qual quê! Até agora, ninguém cuidou de nós. Nem nós próprios. Jazemos para aqui, imobilizados e vegetativos, à mercê da “máquina” – delirando com dinheiro a rodos, fingindo não ver que a rica vidinha destes últimos 15 anos terminou de forma abrupta e terrível.
E se a “máquina” parar? E se os “donos da máquina” entenderem que é melhor desligá-la? Ficamos, os mais de nós, para aí, inertes e atarantados, sem saber que voltas dar à vida.
Os poucos de entre nós que não precisam da “máquina” para nada, que vivem por eles próprios, que são competitivos nos mercados internacionais e financeiramente equilibrados, esses, continuarão rumo ao seu futuro, aos seus Cataios, às suas Índias, às suas Áfricas, aos seus Brasis – deixando-nos para trás como carga inútil, pesos mortos. Temem, apenas, que os arrastemos também para o coma profundo – e têm razão para temer.
Como foi possível termos chegado a isto? Perguntam, agora, mesmo aqueles que para isto nos empurraram; aqueles que tinham a obrigação de nos alertar para isto; aqueles que eram pagos justamente para evitar que isto acontecesse. (cont.)
A.PALHINHA MACHADO
Nenhum comentário:
Postar um comentário