18 de fev. de 2009

Homem de Quilengues

Saudade de África? Porque?


Deus melhor entende os simples,
do que entende muitos doutores!


Desde que, por razões, na ocasião óbvias, com mulher e um bom molho de filhos tive que abandonar África, sobretudo Angola, já lá vão 33 anos, uma constante nostalgia, tem ocupado o meu espírito, com um fundo grande de tristeza. Será a isto que se chama saudade?
Daí, por exemplo, nas vésperas de fazer 70 anos me ter oferecido como voluntário para Moçambique, onde estive seis meses colaborando com a fantástica Obra da Rua, a Casa do Gaiato do Padre Américo, e quatro anos mais tarde, o imenso entusiasmo que me levou sem hesitar, a abraçar a idéia de me meter numa casquinha de nós, à vela, o valente “Mussulo”, e ir com mais dois amigos, levar um Abraço a Angola, gastando 31 dias para cruzar o Atlântico, o que se pode ainda ver no site http://www.abracoavela.com/.
Hoje a “carcaça” não daria para mais aventuras semelhantes, mas o “bichinho” continua a roer, levando-me a sonhar com um milagre que me proporcionasse mais um tempo passado no meio daquele povo simples.
Levando anos a pensar o que me faria ter tanta saudade de África, que não foram as caçadas, porque há muitos anos, ainda naquelas terras desisti totalmente de dar um tiro mais, nem o fato de ali nos terem nascido os filhos, também não o grande círculo de amigos lá desenvolvido, nem a minha juventude e amadurecimento, e os cargos de responsabilidade profissional que desempenhei, ou o tempo em que ainda praticava desportos, mas sem dúvida que tudo isto contribuiu, e muito, para uma parte desta saudade.
Também não foram as paisagens espetaculares e as praias maravilhosas, a baía de Luanda ou as florestas do Maiombe ou do Uige, as savanas das famosas “terras do fim do mundo”, a descida da Chela, o deserto de Moçamedes, hoje Namibe, nem o clima maravilhoso da Huila, do Huambo e de todo o planalto central de Angola, sem esquecer os equivalentes em Moçambique. Paisagens fantásticas continuei a encontrar no Brasil, por todo o canto, no Peru, e até mesmo na Europa. Mas as de África... deram também uma achega grande a todo este “conjunto” de saudade.
Porém, nada disto, de per si parece poder justificar tamanho espaço que todas essas recordações-vivências ocupam dentro de mim.
Este sentimento de “estar longe”, muito longe, em tempo e espaço, sempre presente, aumenta quando mais profunda e detalhadamente contato com a natureza. Pode ser uma simples borboleta, uma paisagem ou um humilde camponês. Com isso cheguei à conclusão que a componente humana é talvez a principal responsável por este sentimento de vazio, da tal nostalgia, saudade.
Lembro o povo simples do interior de África, às vezes até das cidades, sempre mais difícil, com quem, sem jamais lhes faltar ao respeito, brinquei e ri, e aprendi o que é ser “pobre de espírito”: humilde sem subserviência, natural, simples, grande. Os ingredientes cada vez mais difíceis de encontrar nos homens, e que os levam à desmedida ganância, a guerrear, a ignorar os mais fracos, a destruir o pouco de bom que ainda, a Deus graças, sobrevive!
Esta é talvez a parcela mais forte de que sinto falta: gente simples. E lembrando Gabriel Garcia Marques: “Um homem só tem o direito de olhar outro por cima quanto está a ajudá-lo a levantar-se!”
do Brasil, por Francisco G. de Amorim
18-fev-09

4 comentários:

Ivo Korytowski disse...

Um irmão meu há alguns anos mora e trabalha em Angola. Da África conheço apenas o Egito e Dacar, onde quando criança os aviões para a Europa faziam escala. Os conflitos tribais africanos projetam uma imagem negativa desse continente de onde se origina a espécie humana.

Anônimo disse...

Ao contrário de certas opiniões, é impossível não se gostar de África, mas tu adora-la e descreves o que te vai na alma de forma brilhante.

Inácio Rebelo de Andrade disse...

É isso, Francisco, é isso que se chama mesmo SAUDADE, e é isso o que eu sinto também após 36 anos de ausência do Huambo onde nasci. Não só das gentes, mas de tudo, tudo, tudo! Com ponto de exclamação, claro.
Um abraço angolano do
Inácio Rebelo de Andrade

Anônimo disse...

AFRICA ATÉ AO ÚLTIMO SUSPIRO!

Para que jamais houvessem essas saudades, eu recusei-me a sair de cá e segui a trilha insofismável do movimento de libertação, com a grandeza própria de qualquer cidadão do mundo que responde com honestidade e firmeza ao apelo da vida!

Acho que foi uma escolha sofrida, mas até hoje honrosa, livre e solidária até aos limites.

Obrigado África por me teres feito cidadão do mundo, a partir de teu chão amado!

Procurarei ser assim até que se esgote o sangue e saia do meu peito o último suspiro!

É assim o amor rebelde!

Martinho Júnior