7 de mar. de 2009


Pode-se “fabricar” um povo?
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As hierarquias e os sábios

Com algumas exceções, possivelmente raras, a maioria de nós durante a vida trabalhou para terceiros, quer fossem empresários ou função pública, e quantas vezes discordámos com atitudes que considerávamos erradas, que prejudicavam o público ou os clientes, chocando quase sempre nos “galões” do chefe ou do patrão, auto-alcandorado a sábio infalível, por erro de quem o promoveu ou lhe deu dinheiro para se estabelecer.
É quase matemático o princípio de Peter: "Em um sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência." Boa parte é promovida por carregar a pasta do chefe, por arranjar uns “arranjinhos” ao patrão, porque, ninguém sabe como foi possível, mas terminou uma faculdade, etc. E depois o mundo funciona mal.
Estamos hoje a assistir a uma calamidade financeira, já que a social é crônica e vai continuar, mercê dos espertos “donos da verdade”, que rebentaram com o mundo.
Mas isto até vai ser bom, porque as crises geram novas soluções, novo dinamismo, e enquanto não se voltar ao mesmo princípio de Peter – sempieterno – alguma coisa pode mudar. Foi sempre assim, não só no mundo laico como no religioso.
Vejamos os cristãos. Quando o Império Romano acabou em Roma e se estabeleceu em Constatinopla, que era Bizâncio e acabou em Istambul, os cristãos do oriente e do ocidente, tendo seguido princípios dogmáticos diferenciados em relação a Cristo, procuraram entender-se em diversos concílios, sem terem alcançado a união que seria desejável. Entretanto o Papa, respeitado pelos tártaros que ocuparam Roma, sentiu-se um espécie de “chefe” também temporal, dos romanos, apoiado pela aversão destes aos invasores, e procurou desde então unir os cristãos de todo o mundo sob a sua sege. O resultado foi o afastamento das várias igrejas, primeiro do oriente e norte de África, e culminou no século XVI com a Grande Reforma, os protestantes, que por sua vez se dividiram em “n” outras linhas teológico-filosóficas, como calvinistas, anglicanos, etc.
E a Igreja Católica continua cheia de problemas, não já por razões de dogmas (e até...) mas por dissensões motivadas pela dificuldade em se adaptar aos tempos modernos. Tudo isto pela quantidade de “patrões” que “comandam” a igreja e, talvez com medo de perder seus purpúreos cargos, não sejam capazes de perceber que põem assim a perder, cada vez mais, o número de católicos em todo o mundo. A falta do tal aggiornamento!
No Islão algo se passa também, e desde que o Profeta morreu. Quem devia assumir o comando do mundo muçulmano? Quantos califas apareceram? Os descendentes de Fátima e Ali, de al’-Abbas, tio de Maomé, de Abu Talib pai de Ali, de todos eles e muitos mais? Os descendentes da família do Profeta, que se multiplicaram em milhares através dos tempos, todos tinham hierarquia e trato especial e nem eram julgados pelas leis comuns! Quem aceitava, sem se afastar, de interpretações diversas de vários homens sábios sobre algumas passagens do Corão? Se hoje os grandes grupos no Próximo Oriente são sunitas e xiitas, ainda há sauditas, alauitas no Marrocos, e outros mais, separados exatamente por causa da hierarquia e do comando dos povos, e a forma encontrada de os manter, por enquanto, em relativa união, depois das muitas guerras e disputas entre eles, além das orações obrigatórias em determinados horários, a que ninguém pode faltar, está a peregrinação anual a Meca.
O pensador Ibn ‘Arabi, de origem andalusa, foi de entrada desprezado, e só reconhecido quase quatrocentos anos depois, por um dos sultões otomanos, que depositou os seus restos num imponente túmulo que virou lugar de peregrinação, em Damasco.
Pelo fato do Irã se ter tornado uma potência nuclear, o “equilíbrio” de toda a região está seriamente ameaçado, mesmo que todos os muçulmanos se considerem, forçadamente, irmãos, mesmo assassinando-se como no Darfur, onde o genocídio não pergunta, antes de dizimar, qual a religião do “outro”! Tudo pelo poder. A hierarquia.
Finalmente algumas considerações sobre os judeus. Os mesmos problemas se passam com esta gente. Hoje a luta pelo poder em Israel é grande, mas como qualquer judeu, de qualquer parte do mundo, é considerado cidadão israelita, na altura das eleições, rabinos de todo o lado, os mesmos fariseus do tempo de Cristo, avançam, demoram o tempo suficiente para votar nos partidos rabínicos e, a continuar assim, a evolução para um estado democrático, de direito, jamais vai acontecer.
Os judeus deixaram de seguir a Bíblia porque o original (?) contém algumas passagens que os “incomodam”. Preferem a Torá e o Talmude, com as interpretações e sumiços que os “grandes sábios” fizeram e continuam a fazer, porque é esta a única maneira de manter o seu status quo.
Pode dizer-se que há também no universo judaico muitos “protestantes”. Mas como não têm um “papa” o seu afastamento é menos sentido. Mas é fácil ver o comportamento dos judeus, por exemplo, aqui no Brasil. A sinagoga para uma grande parte deles é um lugar de culto, sim, mas onde só se vai por estrita obrigação, alguns mesmo uma única vez na vida e às vezes nem isso. Também eles não precisam de rabinos, sobretudo dos farisaicos e intransigentes.
Em qualquer religião os homens SANTOS são fundamentais (e eu tive privilégio de ter conhecido alguns), pelo seu exemplo, a sua ética a sua moral, e nestes casos até mesmo se for ateu. Mas sábios que intrepretam a “palavra de Deus” a seu bel prazer e conveniência?
Não sabemos se foi Sócrates o primeiro a mandar-nos: conhece-te primeiro a ti mesmo! Ele não negou a necessidade de aprendizado, mas negou a hierarquia quando, como mestre, se recusava a ter discípulos.
Para terminar esta apreciação sobre as hierarquias, é bom repetir o pensamento de Gabriel Garcia Marques: “Um homem só tem o direito de olhar outro por cima quanto está a ajudá-lo a levantar-se!”
Vamos ver na continuação quem está a ajudar quem, e o porquê dos desentendimentos...
do Brasil, por Francisco G. de Amorim
6 mar. 09

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