23 de jun. de 2009



Dois textos publicados no último domingo no jornal "O Globo", por dois dos mais conceituados jornalistas e escritores.A eles cabe fazer o que eu já cansei: apontar, com saber e graça, as desgraças que a o Brasil está sujeito.
Devo ainda afirmar que o tal doutor Amorim, não é da minha família, nunca foi nem há-de ser, membro de extrema esquerda do (quase) falecido partido tratskista, ainda em pleno fulgor neste país.


A diplomacia kung-fu
do doutor Amorim
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"Retrato" pelo caricaturista Cruz, do famigerado dr. Amorim
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ELIO GASPARI
Emoldurado pelo luxo asiático-stalinista do pa­lácio do presidente Nursultan Nazarbayev, no Cazaquistão, o chanceler Celso Amorim fez a defesa do quê seria a política "realista" de Nosso Guia em defesa dos direitos humanos dos ou­tros: "É uma questão de concepção. Tem gente que quer (...) ficar em paz com sua consciência e purgar os pecados 4o colonialismo".
O doutor Amorim cortejou o ditador do Zimbabue, agradou ao soba do Sudão, recebeu o chanceler da Co­reia do Norte e, num lance de audácia, convidou o pre­sidente do Uzbequistâo para dar um pulinho a Brasília.
Pode-se fazer de conta que Amorim não sabe quem é o presidente Nazarbayev, do Cazaquistão. Ele está no poder desde a, época da, falecida Untáo Soviética, com direito a quantas ree­leições quiser.
Como não há oposição no seu reino, em 2006 ele foi a Wattínaton para dar queixa de Borat ao presidente George Bush. Estima-se que sua fortuna chegue a US$ l bilhão. Prova não há, por­que ele é homem cuidado­so. Durante uma visita do secretário de Estado ameri­cano, agendou uma impor­tante conversa para a saúna (leia-se: só eu gravo).
Nazarbayev é um santo se comparado com outro convidado de Nosso Guia e de Amorim. Islam Karlmov, presidente do Uzbe­quistâo, esteve em Brasília em maio passado. Ele também está no poder desde o tempo da falecida União Soviética. Como os demais tiranos, massacra a oposição e rouba o que pode, mas Karimov conquistou um lugar na galeria das atrocidades:
Em pelo menos um caso, sua polícia ferveu um opositor. Ferveu, não confundir com jogar na água fervendo. Quem diz isso é um laudo de patologistas da Universidade de Glasgow.
Karimov só não se tornou um tirano do tipo Geni porque mereceu a proteção dos Estados Unidos, a quem quase certamente agradou hospedando uma central secreta de torturas da CIA. Isso e mais as fa­cilidades que concede a empresas mineradoras ame­ricanas. Sua filha está com a prisão preventiva decreta­da nos Estados Unidos por roubalheiras. George Bush não teve peito de convidar o companheiro Karimov pa­ra visitar Washington.
Quando, no Brasil, pendu­ravam-se no pau de arara ad­versários da ditadura (inclu­sive um irmão de Nosso Guia), o secretário de Estado Henry Kissinger patrocinava uma política de simpatia "realista" com Brasília. Anos depois, Jimmy Cárter assu­miu a Presidência dos Esta­dos Unidos e pressionou Pindorama. À época, os hierarcas do Itamaraty diziam que sua iniciativa era colonialis­ta e continuavam negando passaportes para exilados.
ELIO GASPARI é jornalista


Sangue novo na imprensa


A nova esperança das letras brasilienses


JOÃO UBALDO RIBEIRO
Sou do tempo em que se falava na "imprensa escrita, falada e televisionada" e, para ser sincero, implico com a palavra ''mídia", embora saiba que não adian­ta. Mas é que essa palavra entrou em meu vocabulário através do inglês, onde ela ainda é como em latim: sin­gular "médium", plural "media". En­tre nós, ganhou um acento e virou coletivo. Não tenho nenhum argumento realmente defensável contra esse fa­to, é a velha rabugice mesmo; acho que com a idade ela vai piorando. Mas deve haver algum dispositivo no Estatuto do Idoso que me dê direito a isto, de forma que apenas aviso que, quando escrevo sobre imprensa, penso na escrita, na falada e na tetevisionada.
A semana que passou touxe novidades para a imprensa. Não me refiro à extinção da exigência de di­ploma para o exercício da profis­são de jornalista, até porque acho que nada vai mudar muito. A im­prensa certamente procurará con­tratar profissionais de áreas diver­sas da comunicação para atender a algumas necessidades, notadamente de jornalismo analítico e especializado, mas deverá continuar a dar preferência genérica a profissionais formalmente habilitados, e um diploma de jornalista ainda pesará no currículo.
Grande novidade mesmo foi o anúncio de que o presidente terá uma coluna nos jornais. Ainda não sei direito como é que vai ser, mas fico maravilhado mais uma vez. Aqui acontece de tudo, até mesmo um jornalista militante que, segun­do ele mesmo nunca leu um jornal e sabe apenas que é um papel dobrado, que solta tinta e estaria me­lhor embrulhando peixe ou recicla­do como papel higiénico. Eu ia mencionando também a necessida­de de saber escrever, mas me lem­brei de um ou dois coléguinhas no passado e manda a honestidade re­conhecer que, em certos casos, sa­ber escrever não tem a menor im­portância. Além disso, os presiden­tes costumam contar com auxiliares que escrevem para eles, é uma prática universal.
Está certo, mas fico pensando como, se a notícia sobre a coluna for verdadeira, estamos mais uma vez conseguindo feitos sem prece­dentes. Leremos nos jornais a colu­na de alguém que não sabe redigir e que nunca lerá o que escreveram por ele, Que é que é para fazer — fingir que é ele quem escreve e que ele sabe do que se trata? Deve ser. Por outro lado, considerando a inescapável função crítica da boa imprensa, ele vai criticar quem? Assim como a imprensa costuma vigiar e criticar os governantes, tal­vez ele critique os governados, quem sabe. Talvez a coluna pegue um nome como "Pito à Nação", ou coisa assim. Creio que estamos até precisando, embora talvez não do teor que ele pensa.
Como daqui a pouco não haverá mais países para ele visitar e assim evitar trabalhar onde devia, imagi­no que apenas a coluna e o progra­ma de rádio que ele já tem não se­rão suficientes para distraí-lo. Cla­ro, resta a televisâo e não há por que rejeitar a ideia de um Domingão do Lulão apresentado por ele, com quadros como "Topa Tudo por um Cargo'*, "Você Leva e Eu Não Vejo", "Se Faça sem Fotça", "A Maracutaia da Semana" e outros, em que serão sorteadas bolsas, cestas bá­sicas, sineçuras na Petróbras e si­milares.
O novo colega, também se co­menta muito, virá junto com um pretendido enfraquecimento da imprensa, através principalmente da, manipulação da distribuição de no­tícias e respostas a perguntas de repórteres ou noticiaristas. De no­vo, não sei bem o que se pretende, mas, já que a imprensa é responsá­vel por tudo o que de mau aconte­ce, da ladroagem geral ao trata­mento imoral da coisa pública, ca­la-se a Imprensa e os problemas na­cionais acabam.
Bem, isso tudo seria engraçado e poderia gerar piadinhas infinita­mente, mas o fato é que não é en­graçado e não se pode tratar o cer­ceamento da liberdade de impren­sa como leviandade; Hoje, num país em crise ética e moral sem prece­dentes, onde a sensação que se tem, diante do aluvião avassalador de escândalos e ladroagem impu­nes, é que isto aqui virou um carnaval ensandecido de larápios, vi­garistas e aproveitadores por tudo quanto é canto, a imprensa, com todos os seus defeitos, permanece o Qnico "poder" realmente demo­crático, em contraste com a situa­ção a que chegaram os poderes ofi­cialmente constituídos. Ao contrá­rio deles, a imprensa está sujeita à permanente fiscalização e ao julga­mento, frequentemente severo, de seu público. Deve — e presta — sa­tisfação a seus leitores, ouvintes e espectadores. Não pode se lixar pa­ra a opinião de seu público e, se um órgão de imprensa trai seu público, a sanção, em forma de queda talvez fatal na circulação ou credibilida­de, é pesada e inevitável, novamen­te ao contrário do que ocorre na es­fera oficial. •
E esse tiro, que talvez pareça fá­cil, mas não é, pode sair pela cula­tra, mesmo que de início bem sucedido. Vai ver, os interessados acham que a imprensa é parecida com eles. Não é. O que vai aconte­cer com a imprensa, se privada das fontes oficiais, é que ela irá buscar a informação onde quer que esta puder ser obtida. Multiplicar-se-ão, inevitavelmente, vazamentos de informação, e as consequên­cias, para quem queria estancar as denúncias; poderão ser opostas, ou seja uma chuva de escândalos ainda mais estonteante.
O problema, naturalmente, não é nem nunca foi a imprensa, nem existe o tal denuncismo de que o presidente falou. O que existe é sa­fadeza mesmo em todos os setores do governo e do Estado e aqueles que sabem um pouquinho do que se passa em torno não aguentam mais ter sua inteligência e seus va­lores insultados, geralmente de for­ma grosseira e cínica. Mas talvez o novo coleguinha resolva o proble­ma. Antigamente se ensinava que a notícia bem feita diz na abertura o quê, quem, quando e como. Ele bem que podia fazer isso na primei­ra coluna dele, ia ficar com assunto para muito tempo.
JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.

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