9 de jun. de 2009

Folhas soltas

“— Bem, bem! Assim é! — bradou o povo todo. — A el-rei queremos por senhor, e a ninguém mais.
Burgueses daquele bom tempo inocente, em que tendeiro nem especieiro (merceeiro) não sonhava ainda com os baronatos, os viscondados e as grãscruzes, nem com a mão ensebada de pesar manteiga, aspirava a tomar a pasta de secretário, ou a assentar a nadega lustrosa da calça de couro no veludo das cadeiras do Conselho de Estado, burgueses legítimos ainda, como eram aqueles pobres pançudos senadores da nossa terra, é evidente que no fundo de suas entranhas — ou, para dar mais cor local à frase, no fundo de suas tripas— achavam eco de simpatia aquelas altaneiras e democráticas palavras do mancebo. Democráticas, porque nessas eras feudais a democracia e a coroa tinham os mesmos interesses, a sua causa era comum.
Estou pensando... e nao se arrepiem os meus amigos liberais!... que pelo geito que as coisas hoje levam, antes de muito, o povo terá outra vez de estreitar mais fortemente a sua aliança com a monarquia, para se defender do omniabsorvente despotismo dos senhores das burras (cofres de dinheiro), dos alcaides-mores dos bancos e de todo este feudalismo agiota, que é a fatal lepra da democracia, que a roi e a carcome, e que não vejo formas nem meios na democracia só para os combater. As vagas teorias do socialismo, os sonhos do comunismo, não me parecem provar senão a impotência da forma contra o poder da matéria.”
De: João Batista de Almeida Garrett – “O Arco de Sant'Ana” – 1845
Grande poeta, romancista, dramaturgo, político e tribuno, imaginem, se forem capazes, o que ele diria ou escreveria hoje se ainda por cá andasse. Nas duas margens deste grande rio.
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Há poucos dias, no jornal “O Gobo”:
“ A pedagogia do palavrão e a metodologia da obscenidade estão ocupando o lugar da educação de qualidade.”
E depois discutem-se cotas para entradas na universidade aos oriundos das escolas púbicas onde o ensino...
Instrução básica, primária e secundária, quase não se discute. As revistas, o cinema, e hoje em dia sobretudo a internet, divulgam um palavreado que nem o mais sujo estupor tem coragem de usar!
Basta dar uma vista de olhos nestes números:
- 25,8% da população rural do país, acima de 15 anos, é analfabeta;
- pelo mesmo critério, nas áreas urbanas, são 8,7%;
- no Nordeste, na área rural só 11,6% dos jovens estão matriculados no ensino médio;
Estes... também votam, se necessário, no 3°, 4° e 20° mandato!!!

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Estatísticas:
O mundo treme e fica horrorizado com os grande desastres naturais e com as guerras que continuam a assolar tantos países e sobretudo tantos miseráveis a sofrer com isso; indigna-se com a condenação a trabalhos forçados de duas jornalistas norte americanas porque teriam tentado entrar na Coreia do Norte sem o necessário visto; ameaça que vai ameaçar o ameaçador Kim Jong-il, que se está “bem lixando” para os americanos e o resto do mundo; chora (os que choram) pelos miseráveis de Darfur, da Somália, Etiópia, Congo, os paquistaneses do vale Swat, as vítimas do 09/11, e dos desastres de aviação, e nós, aqui neste país abençoado por Deus, já quase nem ligamos para o ínfimo espaço ocupado pelos jornais a informar que só no primeiro trimestre deste ano a polícia confirma 1.695 assassinatos no Rio, 1.574 em Pernambuco, além de outros tantos milhares nos outros estados!
Só nestes dois estados morreram, assassinados, em três meses, mais infelizes do que em todas as guerras que assolam o mundo!
E os governantes discutem a partilha dos cargos altamente remunerados, o terceiro mandato do cabeça chata analfabeto, e o futuro... que se lixe!

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Entretanto vai-se a um supermercado popular com as bancas cheias de imensos legumes lindos e fresquissimos, frutas às dezenas de variedade, carne e peixe com fartura, e se por acaso alguém não sabe onde encontrar determinado produto e pergunta a uma funcionária, ela, suave e doce como a alma deste povo, mistura de três continentes com a Graça do Espírito Santo, começa por responder: “Oi! Amor! Vem comigo que eu mostro!”
Só isto consegue apaziguar as nossas dores por tanto sofrimento e injustiça, e a não ter tanta pressa que o futuro chegue com as suas matemáticas frias, o feudalismo agiota, a pedagogia do palavrão e a indiferença perante tanto crime, tão pouca justiça e tamanha ausência de responsabilidade!
do Brasil, por Francisco G. de Amorim
08 Jun. 09

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