19 de jun. de 2009

O inimigo não faria melhor
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Só pode o ilegal

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Deu nos jornais: a usina hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, pode ficar sem li­cença ambiental; aumentou no Brasil a quantidade de energia ge­rada por usinas movidas a carvão e diesel, poluidoras; há 2.100 quilóme­tros de rodovias no país com obras paradas por falta de licença ambien­tal; o desmatamento da Mata Atlân­tica segue no ritmo de 34 mil hecta­res/ano, no período 2000-08.
Eis uma pequena amostra do que ocorre no Brasil: projetos formais, de­senvolvidos à luz do dia, dentro da lei, param na legislação ambiental e nos órgãos encarregados de aplicá-la; já es­ses mesmos órgãos são incapazes de barrar o desmatamento ilegal e as emissões ilegais de carbono.
É claro: é mais fácil ficar nos gabi­netes de Brasília analisando projetos no computador do que entrar nos confins da Amazónia. Mas entrar mesmo, colocando pessoal do Ibama e da Polícia Federal em ação perma­nente e não em operações isoladas para marketing.
É evidente que está errado. A come­çar pela legislação. Estão em vigor no Brasil nada menos que 16 mil normas ambientais. O Código Florestal é de 1965, desatualizado, claro. Mas a pro­posta de reforma dorme no Congresso há dez anos, tendo a companhia, no momento, de outros 130 projetos de lei tratando do mesmo assunto. E mais um: a Frente Parlamentar Agropecuária está apresentando um projeto abrangente para substituir tudo por um novo Código Ambiental.
Não é de estranhar que cresçam as disputas internas no governo Lula. O pessoal do Dnit, órgão do Ministério dos Transportes encarregado das ro­dovias, diz que o Ibama atrasa as licenças; o Ibama diz que os projetos do Dnit estão errados ou nem foram apresentados, mas reconhece que faltam funcionários para dar conta da quantidade de processos.
O ministro Minc, do Meio Ambien­te, está em disputa aberta com o mi­nistro Stephanes, da Agricultura. O resultado é desalentador. As disputas revelam uma falta de orientação que começa no governo. O presi­dente Lula coloca no ministério um ambientalista e um representante do agro-negócio — e que se virem. Pede as es­tradas do PAC ao ministro dos Trans­portes e dá força ao Ibama. Ou seja, re­força a confusão, inclusive, quando re­clama pubicamente do Ibama e não faz nada para mudar o sistema.
E, se o governo não tem uma orien­tação, como poderia organizar o de­bate no Congresso e na sociedade?
Além disso, o governo, que adota uma legislação interna tão rigorosa quanto complexa, no quadro interna­cional se recusa a adotar metas de re­dução de emissão de carbono, afir­mando que esse é um problema dos ri­cos, pela poluição que causaram. E as­sim fica o Brasil ao lado da China, a grande poluidora, que sustenta a mes­ma tese (e que é bem capaz de estar produzindo e exportando móveis com madeira ilegal tirada da Amazónia).
A desorientação geral e mais a complexidade da legislação e a buro­cracia infernal dos procedimentos criam disputas infindáveis e abrem espaço para negociações na versão do puro quebra-galho.
Tome-se um dos problemas da usi­na de Jirau. O governador de Rondônia, Ivo Cassol, se recusa a dar a li­cença, necessária porque a obra atin­ge parques estaduais. Mas ele topa conceder a licença se o Mine desistir da retirada de cinco mil famílias que ocuparam uma reserva federal no es­tado e a estão desmaiando. (O que, aliás, demonstra que pequenos agri­cultores, assentados da reforma agrária e invasores desmatam e po­luem,, ao contrário do que dizem os amblentalistas que põem toda a cul­pa no "grande agronegócio".)
Mas reparem no caso de Rondônia: se a usina de fato causa prejuí­zo aos parques estaduais, então não há o que negociar. Igualmente, se as famílias estão de fato desmatando a reserva federal, também não há o que negociar.
Entretanto, rola a negociação por­que essas legislações complexas per­mitem qualquer interpretação, tudo dependendo de força política.
Resumo da ópera: país com enor­mes carências de infraestrutura, o Brasil conseguiu bolar um jeito de paralisar estradas, portos, usinas limpas, aeroportos, ferrovias e fábri­cas diversas, enquanto deixa rolar o desmatamento ilegal e a emissão de carbono,
O inimigo não faria melhor.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.

sardenberg@cbn.com.br
Quinta-feira, 28 de maio de 2009, in “O Globo”


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CORA RONAI – escritora e jornalista
Nunca antes na História deste país se viu tanta roubalheira e tanto descaramento num endereço só. O Seriado está abusando da paciência dos brasileiros e o pior é que, pelo quê se vê, pode abusar à vontade. O máximo que acontece a senador pego em flagrante é ter de devolver o produto do roubo — como se, com isso, ficasse tudo bem. E fica, não fica? Os princípios básicos da moral e da Justiça não valem no Congresso Nacional, onde a imunidade lamentar, instituída com o nobre intuito de defender a democracia, virou uma excrescência insólita que apenas garante a impunidade criminosos.
É assustador (e nojento) perceber que, no Congresso Nacional, exibe-se hoje o que o se tem de pior, a começar pelo coronel José Sarney nos tomando a todos por otários. Tem razão, porque aqui estamos, otários que somos, pagando os impostos mais pesa­dos do mundo para que nada jamais falte às excelências, suas famílias e agregados. Ele tem razão também quando diz que a atual crise não é sua, mas do Senado. Num senado decente, ninguém lhe daria bom dia, e os demais senadores teriam vergonha de serem vistos sua companhia. Pois lá não só o elegem presidente da casa, como fazem questão de abraçá-to depois de um discurso sem vergonha como aquele de terça-feira.
Está ficando muito cansativo falar sobre a bandalheira, ler sobre à roubalheira, escrever sobre a roubalheira. Um escândalo é sepultado por outro que é enterrado por um terceiro e assim sucessivamente. As manchetes de hoje são iguais às do mês passado e serão iguais no mês que vem, nem os personagens mudam. A crónica que foi escrita no começo do ano e do milénio poderia ser republicada após ano, ano após ano, ano após ano...
Os safados estão conseguindo nos vencer pelo tédio.


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Como todos os brasileiros que estão acompanhando as eleições irânianas, eu também tive vontade de me enfiar debaixo sofá de pura vergonha, ao ouvir Lula dar apoio incondicional ao presidente golpista Ahmadlnejad. Sé, como o coronel Sarney, Lula também acha que tudo que o contraria é intriga da imprensa, que pelo menos circule pelo Twltter antes de dizer a primeira coisa que lhe vem à cabeça.
A luta dos iranianos na internet tem sido comovente. Com quase todas as comunica­ções bloqueadas no país, eles têm usado as redes sociais, que estão fora do alcance das garras dos aiatolás, para contar ao mundo que está acontecendo lá. Notícias não param de chegar ao Twitter, que até cancelou uma parada de manutenção na madrugada de terça; e Facebook e Flickr têm recebido incontáveis fotos das manifestações, que blogueiros fora do Irã se encarregam de espalhar.

Cora Ronai é escritora e jornalista.
www.cora.blogspot.com
cora@oglobo.com.br

em “O Globo”, 18 jun 09

19 jun 09

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