14 de nov. de 2008


Npungo-A-Ndongo / Quedas do Duque / Baixa de Cassange

A Baixa de Cassange, no centro norte de Angola, faz parte de uma zona planáltica com altitude média de 700 metros, onde correm três rios, o Lui, o Cambo e o Cuango, estes dois últimos formando como que os limites dessa região. Para leste, sul e poente o planalto se eleva já para quotas acima dos 1.000 metros. Tem mais de 150 quilômetros de largura ultrapassando os 200 no sentido sul norte, onde confronta com o Zaire. De grande beleza natural, ali se podiam caçar inúmeras espécies de animais, sobretudo antílopes. A 500 quilômetros de Luanda, para ali só se ia quando se dispunha de pelo menos quatro a cinco dias. Caçada de fim de semana a essa distância, para os luandenses, não dava!
Não era difícil encontrar a caça, e junto às margens dos rios proliferavam jacarés, grandes, gordos, não podendo dizer mal da vida!
A caminho dessa região, há dois fenômenos naturais que pela sua beleza e exotismo não podem ser ignorados. Do lado sul da estrada Luanda-Malange, as Pedras Negras, Npungo-A-Ndongo.
No meio de uma extensa área planáltica, a dezenas de quilômetros de distancia começam a recortar-se no horizonte uns imensos blocos de pedra, que não fosse a distância, podiam confundir-se com uma grande manada de elefantes! À medida que nos vamos aproximando, essas rochas crescem de forma desmesurada, até que chegados à sua base se tem então noção do seu tamanho. Algumas passam os duzentos e cinqüenta metros acima do chão! São escuras, como os elefantes. Negras.
A sensação, de longe, é que a manada de elefantes está unida, e então, já mais de perto a imaginação leva-nos a pensar em algum gigante, imenso, que carregou, ninguém sabe de onde, essa pedras monstruosas, como almas penadas, para as deixar ali esquecidas, entregues a si próprias, amontoadas!
E a nossa sensação de pequenez cresce, perante a grandiosidade daquele espetáculo. Em alguns desses imensos blocos graníticos estão marcadas pegadas que parecem de gente e de cães. Ninguém sabe o que é, de quem, de quando. Chamam a algumas pegadas, que pelo enorme tamanho só poderia ter sido deixada por algum patagon, o pé da Rainha Jinga! Contam-se lendas. Tudo ali é mistério, mas um mistério que encanta, pela sua imensidão e beleza. Não sei se há, e onde, algo parecido, mas as Pedras Negras são inesquecíveis.
Para norte da mesma estrada, andados uns cinqüenta quilômetros estão as quedas de água do rio Lucala. Chamaram-se Quedas do Duque de Bragança, em homenagem ao único príncipe português que visitou o ultramar no começo do século XX. Hoje são as Quedas do Calandula.
Descrever quedas d’água não é tarefa muito difícil. Todas são um magnífico espetáculo que a natureza oferece, mais ainda em África, sem poluição, as águas correndo limpas o ano inteiro, a exuberância das matas envolventes, muito verdes e densas, a tranqüilidade da área circundante.
Estas quedas foram durante muito tempo o mais bonito e difundido cartão de visita turístico de Angola.
De qualquer ângulo por onde se olhem proporcionam sempre um espetáculo lindíssimo. De cima tem-se uma visão imponente do conjunto, e ainda do rio, o Lucala, que segue depois sempre aos tropeços em pequenos rápidos até que de repente some terra adentro, para só aparecer alguns quilômetros adiante. Rio de considerável volume de águas, afluente do Quanza, corre parte do seu percurso em galerias subterrâneas, o que é um outro espetáculo incrível.
Na ida ou vinda para os lados de Malange, um desvio para mais uma vez ir apreciar as quedas, era como que um imperativo. Esse desvio obrigava a perder duas a três horas, mas ninguém dava por perdido esse tempo, face à beleza do quadro, sempre de maior imponência durante a época das chuvas, quando o volume de águas aumenta consideravelmente.
Mas continuemos a caminho da Baixa de Cassange. Em Malange há que fazer outro desvio, desta vez para observar mais uma beleza, natural, como muitas outras por esse mundo fora, em vias de rápida extinção.
Um pouco a sul de Malange está o Parque Nacional da Cangandala, reserva da Palanca Preta Gigante (Hippotragus niger variani), um antílope imponente, lindo, com uma armação que chegava a atingir mais de 1,80 m de comprimento! Pelagem negra luzidia, ar majestoso, orelha pequena como um cavalo de raça, com uma altura medida na espádua de cerca de metro e meio. É uma tristeza ver desaparecer da face da terra mais uma das maravilhas que o homem não tem sabido conservar, mas sabe destruir.
A guerra em Angola dizimou a quase totalidade dos poucos exemplares que, sendo únicos em toda a África, ali viviam. Se não está já extinta está condenada a isso, seguindo o caminho das que viveram bem lá no sul, na província do Cabo, na África do Sul, onde foi abatido o ultimo espécime daquela região, por volta de 1800!
As visitas a este Parque sempre foram muito dificultadas pelas autoridades portuguesas de então, que sabiam que a preservação desta variedade única de palancas, dependia de um rigoroso controle. E mesmo em visitas sempre acompanhadas por fiscais, podia de lá sair-se com a frustração de não as ter encontrado. Sempre foram poucos os exemplares, e a área reservada, grande.
Réquiem por essa maravilha que a natureza criou e que talvez a esta hora os homens já tenham liquidado! *
Mas vamos continuar a caminho do nosso objetivo, a Baixa de Cassange, para procurar alguma caça, e sobretudo passar uns dias de muito contato com a natureza, fora de cidades, telefones, problemas, etc.
Perto do local previamente escolhido para caçar, há uma povoação, Xá Muteba, já naquele tempo muito pequena, situada quase no centro da Baixa. Ali havia numa praça (não sei se ainda existe **) um pequeno monumento a um herói bandido português. Uma versão portuguesa de Arsène Lupin, que ficou conhecido pelo Zé do Telhado!
Homem simples, grande e forte, durante as guerras liberais em Portugal vendeu o pouco que tinha para se alistar na guerra que ele pensava que era justa. Perdeu a fação por ele defendida, e os amigos políticos que o engajaram nessa luta, depois de encaixados na nova situação política, abandonaram-no. O trivial na politicagem! Continuando a querer defender os mais fracos, por quem tinha iniciado a sua luta, começou a assaltar casas ricas, distribuindo o produto dos assaltos pelos mais necessitados! Acabou por ser apanhado, preso, julgado, sem que alguém o defendesse, e deportado para Angola. Em Portugal deixou a família e alguns filhos. Em Angola criou outra. Aqui trabalhou com as populações nativas onde angariou fama de homem bom e puro, que era. Depois da sua morte fizeram erguer esse pequeno monumento à sua memória, onde todos os anos a população local lhe ia prestar homenagem!***

* Este texto, de “Contos Peregrinos a Preto e Branco” foi escrito em 1996/7. Parece que hoje, 2008, esta reserva está em recuperação e já por lá anda uma razoável quantidade de animais. Que bom.
** Existe !
*** Ainda hoje esse costume, bonito, se mantém!

Um comentário:

bebitaoliveiralima disse...

estive 15 dias em moçambique que não conhecia e tive a sorte de poder ir passar uns dias ao Kruger Park que adorei. Consegui regressar um pouco aos nossos saudosos dias de África, fiquei faschinada com os barulhos á noite com o cheiro caracteristico.... será que ainda voltarei para essas terras que tão bem estão descritas neste texto fazendono-nos voar para lá... bjs