8 de set. de 2008



Francisco G. de Amorim

Dois cariocas

1944. Por razões que... (deixa p´ra lá), o Brasil foi forçado a entrar na 2ª Guerra Mundial. À pressa, e quase sem equipamento, preparou uns quarenta e tantos pilotos, jovens, destemidos e atrevidos, como é o bom brasileiro, sobretudo o carioca, e lá vão eles para Itália, onde foram entregues ao comando americano.
Para americano, brasileiro ainda era uma espécie quase descartável, apesar do tremendo sucesso que fazia a grande Carmen Miranda, que Hollywood insistia em querer transformar em mexicana!
No dia da chegada foram os jovens pilotos apresentados aos aviões que lhes estavam destinados: os P-47, que nunca haviam experimentado.
No problem! Motor de partida aqui, metralhadoras, ali, bombas além, recolha do trem acolá, marcha à ré é ali... e o resto vocês verão em pleno vôo.
Primeiro dia de guerra, instruções para voarem baixo e infligirem o máximo de dano ao inimigo, fogo bravo e reconhecimento. Como é evidente os brothers mandaram-nos para onde o campo de fogo inimigo era o mais violento! Logo nesse dia alguns aviões foram abatidos, algumas vítimas fatais e um dos pilotos, depois de ter bombardeado uns quantos alvos com inteiro sucesso, o seu avião atingido, salta de pára quedas e fica pendurado numa árvore, onde no impacto fraturou um braço que nunca voltou a ficar completamente bom. E ali ficou o resto do dia e uma noite, sem poder sair, até que no dia seguinte uma coluna alemã que batia em retirada, face ao avanço dos Aliados, descobre aquela figura insólita e a carrega para o próximo hospital de campanha, sobrecarregado de feridos e moribundos.
Mas o nosso tenente, já enfaixado, não teve tempo para se aborrecer nesse hospital. Pouco dias depois a chegada das tropas americanas correm com o inimigo e assumem o hospital! Aí sim: intervenção cirúrgica, tratamento de primeira, sorrisos, simpatia, e não tardou a que o nosso herói fosse repatriado, como herói de guerra. Que foi!
Até ao fim dos seus dias recebeu a pensão de mutilado de guerra, tenente, e sua vida foi correndo. No Rio.
Amigos não lhe faltavam, nem conhecidos, e o jeitinho brasileiro veio complementar, com folga, o seu pré de militar: um contrabandozito, sem nada de drogas ou armas, mas de equipamentos de som, e outros que mesmo antes do “milagre” do Delfim se proibia ou dificultava importar.
Assim o nosso simpático herói jamais necessitou de emprego fixo (um porre aturar patrão!), com um braço meio imobilizado e sem exibir medalhas, compensou o seu único dia de guerra que jamais esqueceu.

Cearense, muito cedo a família veio para o Rio com seu pai colocado na alfândega do porto. Vivendo com largueza, foi mandado para os Estados Unidos teria uns 16 anos, para continuar os estudos. Um dia ali recebe um telefonema de um amigo que lhe pede que compre um Cadillac e o mande para o Brasil. Assim fez, e o carro chegou em perfeitas condições.
Não tardou que os pedidos se repetissem, aumentando consideravelmente, e o nosso carioca, com o pai na alfândega, que lhe facilitava a retiradas dos carros sem a menor burocracia, não tardou a ser o maior importador de Cadillacs no Brasil! Já os mandava vir mesmo sem encomenda porque era o carro mais cobiçado pelos jovens endinherados e pela soçaite não só local, como de outras cidades.
Nada de montar um estande de vendas. À boa moda da terra, alugou umas quantas garagens em Ipanema e ali guardou os carros. A tomar conta daquela “riqueza” um cabeça chata de confiança, lá na rua sentado num pequeno banco, e recostado a uma acácia que o protegia dos calores tropicais, guardava as chaves de todas as garagens, com uma etiqueta em cada uma onde simplesmente estava escrito o preço do carro.
Como eram modelos com cores e preços diferentes, para o fiel guardador não se confundir, as etiquetas estavas escritas com caneta da cor do carro! E o “importador” anunciava, abertamente nos jornais: vende-se Cadillac, qualquer modelo e cor. Ver na rua tal... !
Os interessados ao aparecerem na dita rua, rua sem comércio, dirigiam-se ao único ser vivente que por ali estacionava à vista e faziam a pergunta sacramental: - Onde estão os Cadillac para venda? – Qual modelo e a cor da sua preferência? – Azul e conversível.
O zeloso guardador, procurava a chave própria, ia abrir a garagem, o comprador babava ao ver-se já circulando, imponente, pela Cidade Maravilhosa com as gatinhas dando gritos para o galã, perguntava o preço. Tantos mil dólares. – Como posso pagar? – Pode deixar o cheque comigo e sair já no carro!
Era uma beleza. Ainda os carros não pisavam o solo do Brasil e já desciam do navio com placa e tudo! Nem licença de importação, nem burocracia nem nada.
Modelo carioca.
Viva o povo brasileiro, como diz o grande João Ubaldo Ribeiro!

N.- Estas histórias não são fantasia; conheci os “artistas” que mas contaram e que espero continuem, mesmo já entrados em anos, de boa saúde e disposição!
8-set-08

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