15 de set. de 2008

Pátria ?!
Para quem não tomou conhecimento, começou há pouco a ser publicada uma nova revista “NOVA ÁGUIA”, (http://novaaguia.blogspot.com/) cuja finalidade primária é mais um encontro da Lusofonia.
Como Lusofonia pode ser um tema inesgotável, já que é a falar – a mesma língua – que as gentes se entendem, a primeira edição impressa, com quase 170 páginas de muito boa literatura, e filosofia, foi dedicada ao tema “A idéia de Pátria”.
Muito interessante a ordenação dos textos apresentados, que nos levam desde “a certeza” de que não pode haver apátridas, segundo a definição generalizada de que Pátria “é a terra dos pais”, e pais todo tiveram, até à opinião, apresentada por Palma Dias, de Sêneca, que foi mais longe afirmando que “Pátria é a terra em que nos sentimos bem”!
Há anos inseri num livro meu (“Loisas da Arca do Velho”- 2001), sem ter pedido autorização ao autor, apesar de ter tentando encontrá-lo, um texto que continuo a considerar maravilhoso, sobretudo para aqueles que, como eu e muitos milhares, se encontram fora da “terra dos pais”! Depois de muita coisa dita e escrita e pensada sobre a Pátria, não resisto à tentação de o reproduzir mais uma vez, e a que o autor deu o título de:
O país onde nunca se chega
“O exílio é o momento em que o homem se dá conta, freqüentemente com dor, do apego quase carnal que tem por seu território (país, terra natal, pátria) e por seu grupo (família, amigos, comunidade, nação) de origem.
Esse espaço, que nos modelou, e que cada um de nós, por sua vez, modela à sua feição, é também o espaço de nostalgia, da saudade do retorno. A palavra enuncia ao mesmo tempo a causa e o remédio. Na ilusão de que o remédio (o retorno) bastará para curar o mal suprimindo-lhe a causa (o exílio), a saudade enceta um patético trabalho de memorização, reminiscência e imaginação. Em relação aos locais escolhidos para esse fim, desencadeia um autêntico processo de sacralização e, dessa forma, coloca o espaço e o tempo em um mesmo plano, dando margem a se acreditar que a abolição de um acarreta a abolição do outro.
Mas nem todos os exílios se assemelham. Há os longos e os menos longos, os definitivos e os provisórios. Alguns são impostos (banimento, deportação, fuga); outros, desejados - pelo menos aparentemente. O término de alguns só depende do próprio exilado, enquanto o outro se subordina a decisões alheias. Tampouco a saudade é sempre a mesma. A do exilado político não se iguala à do imigrante, a do trabalhador emigrado não coincide com a do colono. Ela varia em função da relação que o exilado mantém com a sua terra natal, de um lado, e com a terra que o acolheu, do outro.
Essa dupla relação modifica-se com o tempo, pois este influi na sensação dos exilados de pertencerem a qualquer lugar. O local e o entorno, o aqui e o lá, o ontem e o hoje - a consciência de todas essas relações e de todas essas diferenças modula a inquietação e a saudade.
No fundo, a saudade expressa bem o que é o exílio: a busca de uma impossível ubiquidade, o sonho de estar aqui e acolá ao mesmo tempo. A saudade alimenta-se de dualismos: duas vidas simultâneas, vividas em dois níveis - o da realidade e o desejo. A realidade de uma vida ativa e presente, material, imediata, cotidiana; e o desejo a uma vida absolutamente interior, secreta, composta de lembranças e da imaginação daquilo que não é mais, mas que poderá voltar a ser - uma vida sobreposta à vida real.
Embora o exílio não cesse de transformá-la, de embelezá-la, a terra da saudade não deixa de ser uma terra conhecida, já experimentada e vivida: a terra natal. Desse ponto de vista, Ulisses pode ser considerado o protótipo do exilado errante em busca do seu país, e a Odisséia, o relato desse exílio e de seu retorno, ou seja, a cura da saudade. Tudo se passa como se o retorno a Ítaca compensasse totalmente a partida ocorrida 10 anos antes. Mas tal retorno não se concretiza, nem tal saudade se esfuma tão fácil e mecanicamente quanto se poderia supor.
Ulisses não navega por navegar, por se sentir atraído pelo mar ou seduzido pela imensidão. Ao contrário do herói de Dante, que transpõe as colunas de Hércules para se aventurar no oceano em busca de novos horizontes, o de Homero é um imigrante como outro qualquer, que só deseja voltar para casa, após passar pela prova da ausência - o que seria enunciado mais tarde, de uma forma prosaica, por outro exilado celebre, Victor Hugo: “Não se pode viver sem pão, nem se pode viver sem pátria”. Com a única diferença que Ulisses não cessa, durante seu périplo, de lutar pelo retorno, de enfrentar obstáculos cujas sucessivas superações, uma a uma, o deixam cada vez mais próximo da sua meta. Além disso, pretende voltar à sua terra na condição de soberano para restaurar a situação anterior, como se 10 anos de ausência nada representassem.
No retorno de Ulisses não há decepção - a decepção que quase sempre substitui a saudade quando se constata que o remédio tão esperado não basta para curar o mal. Pois aquele que volta não é mais o mesmo que partiu, e os lugares que revê jamais estão tal como ele se recorda. O retorno, para o exilado, é um retorno a si mesmo, ao tempo anterior ao exílio - é retrospectiva, retrospecção. Possível no espaço, o retorno é impossível no tempo. Permite todas as esperanças, mas é fonte de decepção e frustração.
Ausente do Ulisses de Homero, a decepção subjaz em todos os Ulisses modernos, como demonstra o de Nikos Kazantzakis. Sua Odisséia começa onde termina a de Homero. Assim que se instala confortavelmente em seu palácio, Ulisses sente invadir-lhe a inquietação. Entediado, começa a sonhar com a nova partida, com as terras maravilhosas que visitou e desprezou. Assim, o partir e o voltar remetem ininterruptamente um ao outro. Há o prazer de ter retornado, mas há sobretudo o prazer de retornar sempre - o que exige partir eternamente. Para a saudade não se transformar em decepção, é preciso manter a expectativa do retorno.”
Escrito por Abdelmalek Sayad, sociólogo argelino, in “O Correio da Unesco”, Brasil, ano 24, nr. 12, Dezembro de 1996. (Acabo de constatar que este brilhante sociólogo faleceu em 1998)
Ainda sob o mesmo conceito, lembro Agostinho Neto, estudante fora da sua terra, ainda que lusófono, depois emigrado, fugido, quando diz que “O oceano separou-me de mim”, para me levar a concluir, depois de ter andado por África duas dezenas de anos e vir terminar meu tempo no Brasil, onde já estou há mais de 35, que “O oceano separou-me duas vezes”!
E voltemos ao conceito de “Pátria”: a terra de meus pais? A terra que me acolheu? Aquela onde me sinto bem? Se o “oceano me separou de mim próprio” por duas vezes, qual é qual neste contexto?
E o que será a Pátria para meus filhos? Filhos de portugueses, nasceram em Angola de onde foram obrigados a sair na altura da confusão, vivem agora no Brasil onde conhecem meia dúzia de pessoas, mas desconhecem totalmente a noção ou significado, moral ou psíquico, de tal palavra.
Nem o conceito de Fernando Pessoa de ter “a língua como Pátria” lhes diz alguma coisa. Serão eles os tais apátridas que a maioria dos textos afirma não ser possível existirem? Os desenraizados, aqueles que praticamente não conheceram a terra dos pais, nem com ela têm qualquer afinidade.
Também não acreditam no 5° Império, que segundo Pinharanda Gomes os árabes já o consideram real - todo o espaço muçulmano - uma vez que o 4° terá sido o Romano!
Em que acreditam então aqueles que estão em condições semelhantes, para quem os feitos de Ourique, verdadeiros ou falsos, que tanto ajudaram a expandir a lusofonia, são desconhecidos?
Qual será o conceito de Pátria para os ciganos que peregrinam pelo mundo à procura de um espaço de sobrevivência condigna que a maioria ainda não encontrou?
É fácil falar de “Pátria” quando se nasceu num torrão de fortes raízes simples, sobretudo quando se tem a oportunidade de aí voltar tantas vezes quantas se queira para “carregar” as baterias desse “amor pátrio”.
Os filhos dos imigrantes são os que não têm pátria. Os pais ainda procuram manter algum vínculo, ou com familiares ou amigos que não emigraram, e que o tempo vai levando, não deixando elo algum a alimentar essa ligação à “terra dos pais”! A luz, a cor, os cheiros da primavera da pátria dos antepassados vira letra de romance.
Quem não vive ou viveu essas condições, e a quem resta um mínimo de consciência, ao ver desmoronar toda uma sociedade, que deveria ter evoluído para ser uma “Pátria única”, mas onde impera a ganância, o sexo e os homicídios em nome do que quer que seja, só consegue estender o seu coração para aqueles que sofrem, em qualquer parte do mundo, independente do lugar onde nasceram os seus pais.

do Brasil, por Francisco G. de Amorim

15 set. 08

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